"...É Para Todos A Chuva Quando Cai..."

Depois de "contratados", o que sofremos. Por um rei, uma pátria, que nada nos dá. Mentira! Dá-nos tormentas, dá-nos solidão, rouba-nos a família, o sorriso.
A construção de um convento? Promessa dele, construção Nossa. Nós que soframos por algo que não nos pertence ou pertencerá... Quarenta mil passou para aí. Outra mentira! Cerca de cinquenta e dois mil trabalhadores, a maior parte, tal como eu, forçados!
Tal como na guerra, matar pelos outros e inocentes. Para quê? Se " é para todos a chuva quando cai...”

Diz-me! Quem sois? Mais um que de forçado se diz? Vida, é o que vos ofereço com esta construção. Uma vida nova. Uma construção que perdurará na história de um pais de descobrimentos e glórias! Não quereis tal vida? Lamentavelmente é a que tenho para te abonar. De certo, D. Nuno da Cunha algo mais terá para te dar, uma fogueira, quem sabe?

Incríveis as palavras que um absolutista pode usar para se vangloriar. A possibilidade de usar um sorriso para intimidar, um “podeis” como “ai de vós!”. Tendo tudo em sua posse como pode desprezar os outros, aqueles que se não existissem, ele também não viveria?
Tu, que de Rei te intitulas, esqueceste do essencial, pensai e “vede, vede como é para todos a chuva quando cai…”

“Para todos a chuva quando cai”? Vê-se a que classe pertenceis. Olvidas que a chuva das nuvens cai, e Eu, Eu, muito acima me encontro! Não esperes igualmente por ela quando entre chamas te achares…pois porque quando por ela se chama, ela não se abate.

Ambos, ambos daqui sairemos exactamente da mesma forma… mortos… Se podes meramente morrer, acredito que também te possas molhar. Ou estará a tua próxima promessa debruçada sobre a construção de um grande toldo?

Humor. Realmente de um bobo a minha corte sente falta… Quereis candidatar-te? Ou viver na ilusão é-te suficiente?

Tudo, tudo podes vir a ter, mas sentir as gotas gélidas pelo rosto escorrer, as autênticas, essas nunca sentirás!

Silêncio! Mas quem sois vós para invocar tais palavras? Que o fogo te faça aquilo que tu querias que a chuva me fizesse! Que te queime por fora, mas particularmente, por dentro…

Que morra! A minha alma já há muito que aqui não pertence… Que o meu físico a encontre… Pois a nova vida que me deste, não é vida!



Esse fogo encherá os olhos de muitos! Verão que a construção de um convento é uma pena bem mais leve que uma morte por traição… E que não seja, agora, “para todos a chuva quando cai…”


"Vede, vede como é para todos a chuva quando cai" (palavras de Saramago, Memorial do Convento)

Comentários

Anónimo disse…
Um bom exercício de escrita.
Tem atenção ao facto de usares na mesma frase o "tu" e o "vós". Terás de optar por um ou por outro.

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