O Calor da Morte


“Fogo! Heresia, feitiçaria, apostasia... És um herege da nossa religião, contudo, mereces a purificação junto do teu Deus Infernal. Que te resumas a Pó!”

O cheiro do que o ajuda arder, uma praça, cheia... Nunca ninguém um feito meu quis presenciar, agora que para as duas portas caminho, faço da praça d'El Rei, uma plateia minha.
Pensamentos, foi somente o que fiz ecoar… Sentença, de morte, o que as Parcas me desejam. Apenas palavras, ideias. Devia ter vivido segundo O Santo Ofício, não contestar o que Ele me deu divinamente...
Em tempos fui um rebelde pensador, agora, de membros atados, a mente fica igualmente presa a estas cordas e palavras. Duvido do meu próprio pensar, das minhas intrínsecas sensações. Aqui morro por tudo o que fui, morro a pensar que pensei o que não devia ter sequer pensado em pensar. Mas pensei.

“Que Ele te perdoe, que te aceite depois das tuas injúrias, de incrédulas infâmias! Pede, pede perdão e Ele te perdoará!”

O fumo começa a elevar-se lentamente. Sei que ele fala, percebo “perdão”. Que posso eu dizer?
Sinto o calor dilatar a união do meu corpo com a terra. A pele começa a secar, abrem-se gretas… O meu respirar contem-se.

“Que morras sem a Sua absolvição! Que sofras com as mentiras que pregaste! Que o teu Deus da Noite te abrace e acaricie! Que nem uma gota da pura água te abrace! Que morras! Que morras!”

Nada, não vejo nada. Nada sinto ou oiço. Sinto-me simplesmente morrer. Nas minhas mais profundas entranhas. Um calor total me invade. Cada vez mais.
Agora, penso somente em voar…

Comentários

Anónimo disse…
Interessante (e duro) este colocares-te na pele (ardente) de um condenado.

Mensagens populares