Deus. Certeza sem oposição.



Acredito em Deus? Não. 

Poderá esta resposta ser absoluta assim? Poderá a pergunta ser igualmente fechada? 

A palavra acreditar pressupõe aceitar algo como verdade. Pressupõe crer, ou considerar possível. Bom, mas possível tudo será. Ou, pelo menos, é aqui que começa grande parte da minha crença: "possível tudo será". Se possível tudo é, e se acreditar pressupõe considerar algo como possível, tudo poderá então ser, do mesmo modo, verdade. 

Posso confortavelmente assim proferir: não acredito em Deus, mas na possibilidade de Deus.

Parece claro, nada de demasiado complexo. Objetivo, efetivo, fácil de explicar a qualquer outro ser que possa ter questões remotamente semelhantes. Apenas uma outra dúvida se levanta... Verdade. "Acreditar pressupõe aceitar algo como verdade". Mas verdade, quem és tu? 

As tuas definições parecem eternos labirintos. Sonhos dentro de sonhos dos quais nunca conseguimos efetivamente acordar. Desde "conformidade", "precisão", "rigor", "lei absoluta", tantas das palavras que te procuraram definir parecem apenas isso, palavras. Palavras soltas, letras preguiçosamente juntas. Se ficássemos por aqui talvez bastasse. Talvez toda esta incapacidade de te definir, seja augúrio suficiente da impossibilidade de o fazer. Porém, acredito ser tão complexa quanto tu. Acredito ser tão incansavelmente cortante na vontade de te compreender, quanto tu, na vontade de me confundir.

Obviamente, tento uma vez mais. Talvez agora, com as únicas letras que entre elas se encontram para uma possível definição de ti. "Realidade" e "ausência de contradição". Ao bater da última tecla percebo: não estou eu agora ainda mais longe de te entender? 

Continuo a tentar. Tento ser talvez como tu, tenaz. Tendo realidade sinónimos como: real, algo que existe, certeza. Sendo contradição equiparada a: contrário, incoerência, oposição. Verdade, serás tu uma certeza sem oposição? Enquanto palavras, parecem fazer sentido. Enquanto significado, parece perto do impossível. Mas não comecei eu por dizer que parte da minha crença é: "possível tudo será"? 

Porque sinto essas palavras como impossíveis? (Certeza sem oposição)

Talvez tenha de falar de ti. 
Da verdade
Não. 
Vamos assumir que verdade 
é a tal certeza sem oposição.

Falta voltar ao acreditar?
Não, já lá voltaremos.

Falta falar de ti.
Sim, de ti.

O sino toca, como em tantos outros lugares. Naquele dia, naquele espaço, soou diferente. Ecoou em mim a tal possibilidade de tudo. Uma possibilidade de mim, de nós e até Dele. A palavra acreditar estava lá. Acreditei profundamente. Acreditei com aquela certeza sem oposição. Acreditei em coisas que tinha como desacreditadas. Ai, se o sino tivesse continuado a tocar! Se o sino tivesse continuado estarias aqui. Se continuasse a tocar, estas palavras não seriam provavelmente nunca escritas. 

O sino parou. Nada mais toca. Qualquer som ficou em suspenso. Apenas as tuas palavras escritas continuam a dançar, ao som delas próprias, no interior do meu pensamento. Acredito no que escreveste ou não? Agora sim, agora voltamos a falar do acreditar

Acreditar nas tuas palavras significa ao mesmo tempo desacreditar de mim. Desacreditar do que senti enquanto o sino tocava. Desacreditar na certeza que senti. Não acreditar no que me pareceu real. Posso eu acreditar no que me escreveste, ao mesmo tempo que acredito em mim? Não. Ou talvez. Acredito que somos nós quem nos fazemos acreditar do que quer que nos seja mais confortável. Tu acreditares que não sentes nada, pode ajudar-te com o medo de teres sentido tanto. Nisso, talvez eu acredite mais.

Se a palavra acreditar pressupõe aceitar algo como verdade, que verdade aceito eu agora? A tua? Ou a minha? 

Se penso verdade como - certeza sem oposição - resta-me apenas a minha verdade. A única que escolho não opor. Tal como antes disse: somos nós quem nos fazemos acreditar do que quer que seja. Acho que finalmente te entendo, verdade. És o que eu escolho que sejas. 

Hoje, escolho que tu e eu ouvimos o mesmo sino.  

Na mesma igreja.


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